Economia

Opinião: 

FCFA, 18 anos da escorreria monetária francesa na Guiné-Bissau.

“…Por dever moral e pelo valor da justiça e da liberdade que me caracteriza, recuso a cumplicidade, através do silêncio, na assistência ao genocídio silencioso da França, através do sistema de gestão do FCFA, contra as populações dos países da zona franca através do controle que exerce no conselho da administração do BCEAO e da moeda FCFA, para manter esses países na dependência e na pobreza”.

Por Lassana Mané, Economista e Planificador  Financeiro | lasmane@gmail.com
A Guiné-Bissau celebrou neste mês de Maio de 2015 os seus 18 anos de adesão à União Económica Monetária Oeste Africana (UEMOA), uma zona monetária criada em 1939 pela França, depois da crise financeira mundial de 1929, com o objectivo de  proteger a sua economia e o seu comércio exterior.
Em 1945, General De Gaulle, antigo presidente da França, criou o FCFA que significa literalmente Franco das Colónias Francesas da África, que a partir dessa data passa a ser a moeda única para todos os países que compõem a Zona franca.  Constitucionalmente, o FCFA pertence à França porque foi ela que a criou através do artigo 3 do decreto 4501/36 (Le Franc CFA et l’Euro contre l’Afrique) [Nicolas Agbohou, 2000).
A França, através do FCFA, rouba abusivamente, de forma legal, e importa gratuitamente todas as matérias primas dos países da UEMOA.


http://www.gbissau.com/wp-content/uploads/2015/05/Pa%C3%ADses-membros-da-UEMOA.jpg

Países membros da UEMOA
Por dever moral e pelo valor da justiça e da liberdade que me caracteriza, recuso a cumplicidade, através do silêncio, na assistência ao genocídio silencioso da França, através do sistema de gestão do FCFA, contra as populações dos países da zona franca através do controle que exerce no conselho da administração do BCEAO e da moeda FCFA, para manter esses países na dependência e na pobreza.
Sem relatar a história da sua criação, nem tentar explicar as razões que nortearam a nossa adesão, gostaria de vos convidar à uma análise profunda de reflexão sobre três dos quatro princípios do funcionamento do FCFA e denunciar a atitude maliciosa “de rouba” da França aos países da UEMOA .
O primeiro principio é a centralização das reservas de câmbio no Tesouro público francês. Em virtude da aplicação das disposições do artigo primeiro da convenção da cooperação monetária entre a França e os países membros da UEMOA, decidiu-se que estes últimos têm por obrigação de depositar 50% das divisas provenientes do resultado de suas receitas de exportação em divisa numa conta denominada Conta de Operações aberta no Tesouro Público francês em nome do BCEAO. Graças a esses depósitos, a França consegue garantir a convertibilidade dessas divisas em Franco CFA e permitir o BCEAO a emissão da moeda.
A titulo de exemplo, se a Guiné-Bissau vender as licenças de pescas à União Europeia por um montante total de 10 Milhões de Euros, esse montante será depositado na sua conta junto ao BCEAO e essa, por sua vez, vai depositar os 10 milhões da Guiné-Bissau na conta de operação no tesouro público francês para ser convertida em FCFA, porque o governo da Guiné-Bissau precisa de CFA para as suas despesas públicas, pois não pode utilizar euros para pagar salários e outra despesas. E como é estipulado no artigo primeiro da cooperação monetária, a França vai ficar com 50% desse dinheiro para garantir conversão em CFA, neste caso 5 milhões de euros que a Guiné-Bissau nunca mais receberá. Para os restantes 5 milhões, a França vai os converter em CFA.

http://www.gbissau.com/wp-content/uploads/2015/05/BCEAO.jpg

BCEAO, Banco Central dos Estados da África Ocidental
Assim, a França fica com metade dos valores da exportação da Guiné-Bissau, em divisas, e dos outros países da união, que servirá para cobrir o seu défice comercial, pagamento das suas dívidas externas, emprestar aos próprios países africanos, etc. O montante imputado nas receitas da exportação dos países membros, deve, em principio, gerar juros que a França paga aos Bancos centrais e por incrível que pareça, esse montante é contabilizado na ajuda pública ao desenvolvimento da França aos países da UEMOA.
A França, a partir da conta de operação, não só rouba aos países da zona franca a metade das suas receitas de exportação, mas também importa gratuitamente todas as matérias primas necessárias para alimentar as suas indústrias, através de uma simples escritura contabilística de crédito na conta de operação do montante que deveria pagar.
Como podem constatar, as consequências da conta de operação são múltiplas e bloqueia toda a possibilidade da industrialização dos países da zona CFA.
Desde 1945 até hoje, ninguém sabe, nem o BCEAO, o montante exacto detido nessa conta de operações, pois a França nunca lhe tornou público.
O segundo principio é a fixação de taxa de câmbio fixo do FCFA indexado a Euro (1 euro = 655 FCFA). A UEMOA adoptou um regime de taxa de câmbio fixo, o que significa que o valor do FCFA no mercado mundial  depende do valor do Euro. Em outras palavras, os países da UEMOA não têm controlo da sua política de câmbio e como o euro é uma moeda forte então os produtos desses países custam muito caro no exterior e dessa maneira não são competitivos. Se não podemos vender o nosso produto no exterior, a nossa exportação vai diminuir enquanto que as importações continuam aumentar, então a balança comercial será deficitária. Como já importamos as divisas, acusamos também os défices de capitais. A acumulação dos défices da balança comercial e dos capitais  provoca défice da balança de pagamentos, o que é extremamente preocupante.
Com a taxa de câmbio fixo, os países da UEMOA não podem decidir sobre a desvalorização do FCFA nos momentos das crises económicas para aumentar a competitividade (proteccionismo monetário), nem da sua valorização durante diferentes ciclos económicos que pode ser necessária para um bom funcionamento das suas economias. O mais grave é que a França é obrigada a informar à União Europeia sobre qualquer eventual modificação dos acordos monetários com os países da UEMOA e deve obter uma aprovação prévia da comissão europeia.
Outra consequência da paridade FCFA e Euro é o seu custo, que muitas vezes obriga os países membros a adoptar políticas de austeridade, reduzindo drasticamente as despesas públicas (educação, transportes, saúde, administração pública, etc.). Os países da UEMOA podiam evitar este rigor monetário inútil se a taxa de câmbio não fosse fixa e que o FCFA não estivesse indexado ao euro.
Há uma gestão absurda da taxa de câmbio na zona CFA, pois a indexação ao Euro significa um enforcamento de todo tipo de competição internacional. A França nos convenceu que é uma boa coisa ter uma moeda forte e estável porque com isso vamos desenvolver rapidamente, mas que na realidade é falsa. Sabemos que na Coreia de Sul, 1 euro custa 1.207 Wons, mas o salário médio anual é de $32.000 dólares por ano. No Vietnam, 1 euro custa 23.958 Dongs, mas eles são o segundo exportador mundial do arroz. No Irão, 1 euro custa 31.396 riais e sabemos todos que o Irão não more de fome e do medo.
Terceiro e último princípio que gostaria de analisar é a livre convertibilidade do FCFA, que significa teoricamente que o FCFA pode ser convertido para qualquer moeda internacional. Na prática, o FCFA não é uma moeda convertível, pois não tem nenhum valor no exterior dos países que o utiliza como a moeda nacional. A prova disso é que não se pode trocar o FCFA em nenhum país europeu e do mundo, nem mesmo na França.  Esse princípio se aplica só entre os países membros da zona CFA e a França. Essa moeda facilita  apenas os investimentos franceses na África, o repatriamento dos capitais e a importação da França das matérias primas africanas e bloqueia todo o tipo de trocas comerciais entre os países da UEMOA e dos países exteriores da zona CFA.
À margem de tudo isso, podemos mesmo questionar se a UEMOA é mesmo uma zona monetária óptima. A teoria económica da Zona Monetária Óptima do economista Robert Mundell (1961), prémio Nobel da economia 1999, estipula que se as economias locais de diferentes países da mesma região são homogéneas/idênticas e que esses países respondem da mesma maneira aos choques externos, eles podem adoptar uma única moeda, mas caso contrário, é melhor que cada país conserve a sua própria moeda adoptando um sistema de taxa de câmbio flexível que servirá de meio de regulação para a estabilização da sua política económica.
Baseando na teoria acima citada, podemos constatar facilmente que a União Económica Monetária Oeste Africana (UEMOA) não é uma zona monetária óptima. Existe, pois, uma forte heterogeneidade das estruturas económicas dos países da UEMOA onde três tipos de economias coexistem e não reagem da mesma forma aos choques externos. Como se sabe, as economias dos países do Sahel são fortemente dependentes das condições climáticas (Burkina-Fasso, Mali e Níger); as economias relativamente industrializadas e com forte incidência nos domínios de serviços (Cotê D’Ivoire e Senegal) e finalmente as economias costeiras com uma dinâmica no comércio de importação e Exportação (Benin, Togo, Guiné-Bissau). 
Com essas análises, considerando a complexidade da situação e os aspectos políticos com os acordos secretos militares assinados entre os estados africanos e a França e a não optimização da zona UEMOA para uma moeda única e a total dependência dos países oeste africanos aos países ocidentais, estamos confrontados com uma situação critica, que, se não fizermos nada agora, estaremos condenados à uma vida de miséria para a eternidade.

http://www.gbissau.com/wp-content/uploads/2015/05/Moeda-FCFA.jpg
Moeda FCFA
Na minha opinião, duas soluções temporárias podem ser consideradas a curto e ao médio prazo, até que conseguimos ser soberanos, para depois assumirmos com firmeza o destino do nosso continente.
Primeiramente, a moeda, como pilar da economia à volta da qual diferentes programas se articulam, é indispensável e é precioso que os países africanos tenham em mão o seu controlo. Para o fazer, é urgente a retirada dos representantes da França no Conselho da Administração do BCEAO e a abolição da obrigação de depositar 50% das divisas provenientes do resultado das nossas receitas de exportação na Conta de Operações aberta no Tesouro Público francês, para que possamos ter o controlo da nossa política monetária, por conseguinte controlar a nossa massa monetária (quantidade de dinheiro em circulação na zona CFA).
Com o controlo do BCEAO pelos africanos, poderemos controlar, consequentemente, os Bancos comerciais e definir uma melhor política de desenvolvimento nacional e regional. Controlando a nossa massa monetária, as vantagens serão várias: o pagamento regular dos salários dos funcionários públicos através dos tesouros públicos nacionais sob controle do Tesouro Público Sub-Regional, a capacidade de satisfazer as necessidades básicas das populações (alimentação, água potável, habitação, saúde, transportes, educação, energia, defesa e segurança, etc.).
A segunda solução é a Industrialização  das nossas economias para a transformação das nossas matérias primas agrícolas, minerais e energéticas. Ao mesmo tempo, devemos apostar na Criação das empresas públicas, privadas e mistas com uma política proteccionista para reduzir as importações e aumentar as exportações, melhorando assim a nossa balança comercial e a balança de pagamento, pois só assim podemos desenvolver  os nossos países.
Em conclusão, devemos assumir desde já o nosso próprio destino com acções concretas, a começar com a nossa política monetária, no quadro da UEMOA. E caso não o fizermos hoje, iremos correr o risco de hipotecar indefinidamente o futuro dos nossos países e das gerações vindouras.
Lassana Mané, Economista e Planificador  Financeiro | lasmane@gmail.com

Opinião: 

 Dívida externa, um Cancro sem cura.

“Na realidade, a dívida dos países em vias de desenvolvimento só beneficia dois grupos de pessoas: os Doadores e a Elite Política”. (…) “Se o governo da Guiné-Bissau pautar mesmo na dívida como a única solução de financiamento do seu plano estratégico de desenvolvimento, pode optar para um financiamento mais barato e mais acessível com os países emergentes como a China, Índia, Rússia, Brasil que dão créditos sem juros ou com juros muito inferior do credor tradicional e permitam a transferência de tecnologias barata e eficiente sem ingerência nos assuntos internos do País”.

Por Lassana Mané,  Planificador e Analista Financeiro (Canadá)lasmane@gmail.com
O barulho em Bissau a propósito dos preparativos da mesa redonda com doadores em Bruxelas prevista para o dia 25 de Março de 2015 e a forma como o projeto foi apresentado ao povo guineense, deixou-me muito inquieto e preocupado. Enquanto economista e analista financeiro, vim expor a minha preocupação com o único objectivo de convidar a todos os guineenses a uma reflexão profunda e exaustiva quanto aos reais impactos da dívida que o país se prepara para contrair para o seu crescimento económico.
À primeira vista, a iniciativa parece louvável, imperativa e extremamente urgente para tirar o país da difícil situação em que se encontra. Mas na verdade, o governo vai negociar dívidas e não donativos, dívidas essas que escondem aspectos que podem prejudicar muito o país a longo termo, se as condições de base não forem criadas para permitir a sua utilização na criação de riquezas que rentabilizarão o dinheiro emprestado e permitir o seu reembolso.
Baseando nas experiências passadas no uso dos créditos concedidos à Guiné-Bissau, eles permitiram o financiamento de poucos projectos e de curta duração sem criação de grandes empregos, com impacto muito limitado na economia nacional e na melhoria de qualidade de vida do cidadão comum. Como os créditos são concedidos, em geral, com taxas de juros variáveis, não fixos, e que os credores gozam de prerrogativas que lhes permitam aumentar os juros sem pré-aviso a qualquer momento, os custos acabam por ser nove ou dez vezes superiores aos benefícios.
A dívida por si só, sem estruturas e políticas bem estabelecidas previamente nunca contribuirão para o crescimento económico na Guiné-Bissau.
Em princípio, a obtenção de um crédito deve permitir o país investir, financiando o desenvolvimento das suas próprias infraestruturas e das suas forças produtivas em geral para a criação de riquezas. Graças a esse desenvolvimento, o país poderá reembolsar a sua dívida.
Mas essa lógica, infelizmente, se perde rapidamente depois do desbloqueamento das verbas devido ao alto nível da corrupção e da má governação.
Podemos definir a corrupção como um ato que consiste em oferecer certas vantagens e privilégios a um grupo de pessoas no uso de bens públicos para os fins pessoais.
Uma boa governação é necessária para a criação de estruturas e mecanismos  que possam permitir o uso estrito da dívida na razão pelo qual foi contraída e garantir o bom funcionamento do governo. Ela permite também o estabelecimento de uma ética na gestão rigorosa de bens públicos.
A falta dessas estruturas e mecanismos de controle expõe o país a um risco muito elevado de desvio de fundos.
Infelizmente, os doadores não fazem papel de fiscalização na utilização do crédito concedido. Na verdade, não têm interesse de o fazer porque na realidade, o desenvolvimento e a autonomia económica dos países que procuram o tal crédito são contrários aos seus interesses, pois representam um mercado muito lucrativo e essencial para as suas economias locais e na extensão das suas zonas de influência.
Se assim for, o produto da dívida nunca será utilizado para os seus fins e acabará por custar extremamente caro ao país. Como o dinheiro não foi utilizado para a criação de riquezas, o governo terá que utilizar outros recursos do país para o reembolso da dívida, privando a população o uso desses recursos para o seu desenvolvimento.
Os serviços da dívida, reembolso do capital e pagamento dos juros, acaba por absorver uma boa parte do PIB (produção nacional do país durante um período dado, normalmente anual). Os aumentos das taxas de juros fazem com que a dívida em vez de diminuir, aumenta, dificultando assim o seu o reembolso rápido  e causa pobreza agudizado do país.
Quando o país não está em condições de pagar, ele se encontra numa posição de alto risco e os doadores impõem uma nova dívida para pagar a dívida inicial. Como o risco é mais elevado, as taxas de juros aumentam de maneira exorbitante para cobrir o risco dos credores e acaba por agonizar muito mais o País.
Muitas vezes é o FMI, parceiro multilateral, que faz o papel de credor da última instância para salvar o país, mas com muitas condições e medidas de austeridades  que obrigam o governo a reduzir as suas despesas públicas (serviços de hospitais, escolas e outros serviços sociais importantes para a maioria da população, sobretudo a classe desfavorecida) ao mesmo tempo, exigem  o reforço dos serviços de segurança (forças armadas e polícias) pois são serviços essências para garantir a segurança dos seus investimentos.
A falta de serviços sociais e de emprego, constitui a miséria e humilhação das populações desfavorecidas, criando a angústia e o desespero. Para salvar a cara do país perante a pobreza extrema da população, os imigrantes são chamados para participar financeiramente, enviando constantemente dinheiro para assegurar a sobrevivência dos familiares.
Assim, a dívida externa acaba por reagir como um CANCRO SEM CURA. Ela, a dívida, aumenta sem parar e o tumor maligno, neste caso o “cancro” da dívida, acaba por impedir a população de sair da miséria, conduzindo-a para uma agonia ainda maior.
Para melhor compreender os desafios e os jogos à volta dos financiamentos para o desenvolvimento, é necessário conhecer  os grandes actores e os seus interesses.
Podemos classificá-los em três grandes grupos:
  • Doadores Multilaterais, FMI e Banco Mundial
  • Doadores Bilaterais, compostos por diferentes Estados
  • Doadores Privados, Bancos e sociedades de investimento
Cada um desses atores utiliza o dinheiro dos contribuintes dos seus países respectivos ou das suas instituições com objectivos bem claros e acentuados nos seus próprios interesses, ignorando totalmente as reais necessidades do país que solicita o financiamento. Por exemplo, são eles que decidem o projeto a financiar, a modalidade do pagamento, o período de amortização da dívida, as taxas de juros, o montante a emprestar, etc.
O FMI e o Banco Mundial têm uma ideologia predefinida da economia que muitas vezes não são compatíveis à realidade e à necessidade económica do país e as suas políticas são elaboradas e decididas na sua sede em Washington (EUA) e impostas a todos os países. Eles exigem o respeito integral dos termos dos contratos estabelecidos na concessão de crédito sem nenhuma margem de manobra para o país. Por exemplo, se os termos de contrato são de dez anos, mas que o país depois de cinco anos quer reembolsar integralmente a sua dívida, eles recusam e o país tem que continuar a pagar os juros durante dez anos, mesmo se o podia limitar em cinco.
A Dívida Externa e as Realidades Nacionais
Na realidade, a dívida dos países em vias de desenvolvimento só beneficia dois grupos de pessoas: os Doadores e a Elite Política.
  • Os doadores, na procura de lucros e benefícios astronómicos, impõem ao país condições severas. Os governos devem pagar para as suas dívidas, as taxas de juros seis a sete vezes superiores às taxas de juros praticados no mercado financeiro. E não ficam por ai: impõem também outras condições que lhes permitam um controlo quase total dos recursos naturais e das riquezas do país.
  • A elite política se enriquece instantaneamente com o dinheiro emprestado e é protegida pelos próprios doadores enquanto ela protege os interesses dos emprestadores.
Assim, a elite política fica mentalmente e economicamente dependente e as suas políticas internas e externas são inteiramente ditadas  pelos “decretos” e interesses dos países doadores. Mas, apesar de tudo, os políticos continuam a proferir discursos bonitos e patrióticos perante o povo.
Assim, o endividamento é utilizado pelos credores como instrumento de dominação política e económica, como se fosse uma nova forma de neocolonialismo, com uma máquina poderosa que faz muitos dos seus trabalhos sem que a presença física seja necessária.
Daí que seja preciso uma análise profunda com debates sérios à volta dos projectos a serem financiados e os seus impactos reais a curto, médio e a longo termo para a economia nacional.
A principal condição necessária para um crescimento económico é a criação de um sistema incitativo de produção. E, para que isto aconteça, três estruturas são necessárias para a sua criação:
1) Mercado
2) Direito de propriedade
3) Moeda/Dinheiro
O mercado permite trocas de informações e comercialização de produtos entre vendedores e compradores. Os preços praticados enviam sinais aos atores comercias, criando incitativos para aumentar ou diminuir a produção. Mas, o mercado não pode funcionar muito bem  sem que o direito de propriedade seja protegida e sem a moeda para facilitar a troca de produtos.
O Direito de propriedade é um conjunto de leis e de regulamentos que protegem a detenção e a utilização de bens e meios de produção (i.e. terrenos, edifícios, máquinas, etc.). Quando é bem estabelecido e respeitado, ele permite assegurar as pessoas que os seus bens não serão confiscados e que em casos de problemas poderão recorrer à Justiça.
Depois de estabelecimento do  sistema incitativo, a maneira mais simples de atingir o crescimento económico é de especializar a produção do país nos domínios onde ele tem vantagens comparativas. Com a especialização, o país aumenta a sua produtividade, cria mais empregos e os cidadãos podem adquirir todo tipo de bens e serviços a custos mais baratos graças ao fruto do seu trabalho.
Quanto mais uma economia é especializada, mais o PIB real de cada habitante aumenta e o seu nível de vida também.
Só assim podemos atingir um crescimento económico sustentável, mas não com as dívidas.
Compreendo perfeitamente que o país precisa de construir infraestruturas, barragens elétricas, estradas, escolas, instalações portuárias, hospitais, e o governo deve decidir os meios a financiar os seus projetos.
Das múltiplas possibilidades (i.e. Imposto por meios de fiscalidade progressiva, emissões de títulos governamentais aos investidores, exploração e transformações dos recursos naturais), o mais fácil e rápido é a dívida.
É claro que nenhum país do Mundo pode desenvolver sozinho sem parceiros internacionais, mas os acordos de cooperações devem permitir o país de desenvolver a sua economia local numa perspectiva onde todos ganham e ninguém domina o outro.
Se o governo da Guiné-Bissau pautar mesmo na dívida, como a única solução de financiamento do seu plano estratégico de desenvolvimento, pode optar para um financiamento mais barato e mais acessível com os países emergentes como a China, a Índia, a Rússia, o Brasil que dão créditos sem juros ou com juros muitos inferiores ao “credor tradicional” e permitem (os países emergentes) a transferência de tecnologias barata e eficiente sem ingerência nos assuntos internos do País. Esses países atravessaram o mesmo caminho e as mesmas dificuldades que estamos a enfrentar, alguns sofreram colonialismos e as guerras civis, e conhecem melhor as nossas realidades e necessidades. Igualmente, os países emergentes não condicionam o crédito para criar uma dependência e nem decidem o projeto a financiar e baseiam as suas decisões nas necessidades reais de cada Governo. O modelo económico da China, por exemplo, pode muito bem ser aplicado na Guiné-Bissau em vários aspectos.
Tenho a impressão que o projeto da mesa redonda foi apresentado ao povo guineense como um projeto de “salvação nacional” e o governo está desesperadamente determinado no seu sucesso e canalizou toda a sua energia e os seus recursos  na sua materialização, ao invés de preconizar profundas reformas que possam permitir a boa governação e a nação de andar com os seus próprios pés, criando a sua própria riqueza com os seus próprios recursos a fim de diminuir progressivamente a dependência do país ao exterior.
Tenho conhecimento de muitos projetos de reformas que estão a ser implementados no país neste momento sem resultados visíveis, que mostram claramente a vontade do governo, mas essas reformas precisam de ser terminadas antes da obtenção do crédito, porque vão garantir o bom funcionamento do aparelho de Estado e permitir o bom uso do crédito. Como diz o ditado guineense, “ No ka pudi kurri i kossa djudju ao mesmo tempo”.
Mas, como já estamos muitos avançados para a mesa redonda sem as estruturas de base sólida, temos que assegurar pelo menos o funcionamento rigoroso do TRIBUNAL DE CONTAS e outras estruturas que poderão permitir a fiscalização dos fundos que serão concedidos ao país.
Convido a todos os partidos da oposição a jogarem o seu papel, a imprensa (rádio, jornais, televisão, blogues e redes sociais) e a população civil em geral a serem muitos atentos e vigilantes no comportamento e atitude do Governo, depois da mesa redonda, no uso de fundos a serem aprovados ao país.
Chegou a hora de se afirmar e de contar com os nossos próprios meios para sair progressivamente da posição delicada de dependência. é essa a dependência que nos bloqueia e nos retira a liberdade e a dignidade duma nação soberana.
Para além de merecermos ser uma nação próspera como qualquer outra do mundo, o povo guineense merece igualmente ser tratado com muito respeito, carinho e honestidade por parte dos que dirigem o seu destino. Já foram muitos anos de traição e de sofrimento, mas ele foi sempre paciente e humilde. Mas, este Povo já deve estar cansado de ouvir discursos patrióticos e bonitos e de ler relatórios bem escritos. Este Povo agora só quer ver resultados concretos com incidências diretas e imediatas nas suas vidas quotidianas e no futuro da sua nação, a Guiné-Bissau.
Lassana Mané | lasmane@gmail.com
Montreal, Canadá

Opinião:

Resgate de bancos: uma necessidade imperiosa ou uma perda de coerência intelectual?

Em Julho de 2015, o antigo governo da Guiné-Bissau liderado por Domingos Simões Pereira, na pessoa do seu ministro das finanças, Geraldo Martins, contraiu secretamente um crédito na ordem de 34 mil milhões de francos CFA ($57,81 milhões de dólares) para a limpeza da carteira de créditos privados mal parados. Em outras palavras, o governo transferiu as dívidas privadas de um grupo de pessoas, para o povo guineense. Esta é uma operação desnecessária e incoerente, porque de um lado, o aumento da dívida pública pode ter impacto negativo no crescimento económico.

Por Lassana Mané* | lasmane@gmail.com
No contexto de um país como a Guiné-Bissau que tem acusado sistematicamente o défice de balança de pagamento, o país é obrigado a endividar-se para poder continuar a funcionar normalmente. Cada ano que o governo acusa défice, o Estado guineense deve endividar-se de novo para cobrir as suas despesas correntes e, ao mesmo tempo, pagar as dívidas anteriores, o que acaba por aumentar os custos dos serviços da dívida, nomeadamente o pagamento de juros e reembolsos do capital. Todas estas despesas acabam por aumentar o défice da Guiné-Bissau.
Este ciclo vicioso pode colocar o país numa situação preocupante porque a sua política orçamental vai-se deteriorando e a sua insolvência aumenta. Em consequência, os credores do país acabam por perder a sua confiança no país e mudam as suas opiniões, como pode ser o caso do Fundo Monetário Internacional, no quadro do empréstimo alargado à Guiné-Bissau. Ao não disponibilizar os tais créditos prometidos, a decisão do FMI pode colocar o país numa posição de grave crise financeira.
Por outro lado, se o crescimento económico for fraco (como tem sido na maior parte dos casos), o rácio de solvência se degrada. O rácio de solvência é a relação entre o Produto Interno Bruto (PIB), um indicador da riqueza do país directamente ligado ao crescimento económico, e o peso da sua dívida. Com uma tal degradação, a dívida de um país começa a ser insuportável e, consequentemente, corre-se uma situação de risco de falência. Então questiona-se: porquê salvar os Bancos de risco de falência e colocar o estado numa posição delicada que no futuro pode o levar  à falência? Entre as duas hipóteses, qual é a mais grave?
Numa economia de mercado normal, se um credor (neste caso um banco) emprestar dinheiro que não conseguiu recuperar, porque analisou mal os riscos, ele assume as perdas e as devidas consequências. De igual modo, se uma empresa se endividar e investir mal o dinheiro e se encontrar na impossibilidade de pagar, ela declara falência. Neste caso específico talvez o problema seja dos bancos que perderam o dinheiro e das empresas que vão à falência, mas certamente não deveria ser um problema do governo e do povo da Guiné-Bissau.
Uma análise coerente e inteligente podia reconhecer facilmente o facto que a operação de resgate aumentaria significativamente as despesas do governo e não seria capaz de reduzir os riscos assumidos pelos bancos e nem modificaria o comportamento dos empresários em defeito de pagamento.
A tal operação de resgate não é só incoerente, mas também não reforçará a eficiência global da economia nacional, porque os grandes beneficiários são accionistas privados e estrangeiros dos bancos “resgatados”. Ironicamente, o antigo governo proferiu não divulgar a lista dos beneficiados.
Qual é a dimensão dos bancos resgatados? Quais são as interconexões e o risco de contagio com as outras instituições financeiras no país e com o resto da economia nacional? Os bancos resgatados podem ser substituídos pelos outros bancos comerciais concorrentes no país? Quantos empregos serão criados ou serão preservados com a decisão dos antigos governantes?
Independentemente de respostas a oferecer, numa economia como a nossa, onde a maioria das actividades comerciais não passam pelo sistema bancário — pois a nossa economia é muito informal — a intervenção do Estado nesta situação é desnecessária.
Custo financeiro e social do resgate
Segundo algumas informações ainda não confirmadas, o governo da Guiné-Bissau contraiu a dívida com os dois principais bancos num custo de 7% anual para um prazo de 10 anos. A confirmar estes dados, só os custos de juros serão, aproximadamente, por volta de $4 milhões de dólares anuais (2,3 bilhões de FCFA numa taxa de conversão nominal de $1 = 581,55 FCFA) ou seja, $40 milhões de dólares num período de 10 anos (23,2 bilhões de FCFA correspondentes a 68% da dívida contraída). Adicionando o capital inicial emprestado de $57,81 milhões de dólares, o custo geral do resgate para o povo guineense será na ordem de $97 milhões de dólares, ou seja 56,4 bilhões de Franco CFA.
A dívida será assumida pelas crianças e jovens guineenses que verão os seus futuros hipotecados pela ausência de investimentos públicos nos serviços sociais adequados; pelas mulheres “bideiras” que trabalham honestamente para ganhar o mínimo para as suas sobrevivências e que devem pagar impostos ou taxas no quadro das suas actividades económicas; pelos funcionários do Estado que são frequentemente privados dos salários durante meses (que na lei internacional do trabalho é considerado de crime); pelos artistas e homens da cultura que nunca receberão apoios financeiros significativos para desenvolver e promover a cultura nacional, etc.. E, tristemente, os principais responsáveis pela dívida continuarão os estilos de vida e de consumo que ostentam para provar os seus “superiores” estatutos sociais.
Elaborar uma concepção intelectual e coerente das políticas da intervenção do Estado no sector privado é, antes de tudo, identificar os principais factores de risco e de disfuncionamento do sector e analisar as medidas precisas para prevenir ou reduzir o tal disfuncionamento financeiro e económico. E mais que isso, o governo deve ser capaz de nos mostrar em como uma intervenção ou outra é a melhor forma de prevenir o problema, remediá-lo ou atacar qualquer situação de constrangimento que surgisse ao longo do processo.
Do ex-governo guineense ainda não há informações oficiais, mas as explicações do então ministro da Economia e Finanças, Geraldo Martins, nas suas notas através da sua página pessoal no Facebook, parecem-me perturbadoras e incoerentes em relação aos avanços registados no mundo à luz das teorias económicas.
Primeiramente, nenhuma intervenção do Estado na economia garante um crescimento económico de maneira sistemática e  sobretudo a longo termo. Um resgate por si só não garante o crescimento económico.
Segundo, na sua quinta nota explicativa da razão do resgate aos bancos, o ex-ministro disse o seguinte: “Os bancos atribuíram a situação ao golpe de estado de 2012 que terá prejudicado muitos operadores económicos”. Se consideramos a instabilidade política como um factor de instabilidade económica, então não faria sentido nenhum o Estado guineense assumir quaisquer dívidas resultantes de tais condicionalismos porque ninguém pode afastar as possibilidades para mais recorrências. Aliás, este parâmetro de risco tem um impacto negativo na percepção e consequente crescimento económico do país, enfraquecendo as instituições públicas e privadas, promovendo a corrupção e desencorajando todo tipo de investimento. Ao contrair uma dívida bancária dos terceiros sob o pretexto de uma instabilidade política e militar, os ex-governantes mostraram-se incoerentes na forma de gerir a economia nacional.
Terceiro, dependo das circunstâncias e da necessidade de intervenção, o Estado pode agir de duas formas:
  1. Através de uma política conjuntural (intervenção a curto termo com objectivo de controlar a demanda global)
  2. Através de uma política estrutural que se preocupa mais com as condições de funcionamento dos mercados e do potencial de crescimento económico a longo termo.
A operação de resgate pode ser considerada como uma política conjuntural que é uma combinação da política monetária e orçamental. Os sustentos dessa política são essencialmente baseados nas políticas monetárias e de câmbio para agir sobre a liquidez. E como a Guiné-Bissau não tem o controlo da sua política monetária devido à zona monetária UEMOA onde está inserida, o Estado (governo, neste caso) não pode agir sobre a massa monetária, nem sobre as taxas de juros para incentivar o investimento. Aliás, a sua política orçamental e fiscal carece de sustentabilidade porque depende fortemente das ajudas externas e a sua capacidade de gerar receitas é fraca. Então a tentativa de salvar os bancos com o pretexto de estimular a demanda global tem pouco chance de sucesso, com previsões praticamente nulas.
Quarto e último, a teoria de Relance Económica de um dos melhores economistas de todos os tempos, John Maynard Keynes (1883-1946), diz o seguinte: O governo pode aumentar as suas despesas públicas e reduzir impostos e a receita fiscal para aumentar a demanda global e estimular a economia. O economista britânico sugere a injecção de dinheiro líquido na economia através de investimentos nos novos projectos, como forma de permitir as empresas aumentar a produção, gerar lucros, criar mais empregos e melhorar salários. Keynes, por último, fala do aumento de salários como forma de aumentar o consumo de bens produzidos. Estas são as formas mais coerentes e universais de relançar a economia de um país.
Lições económicas de lado, para além do processo de resgate ter sido conduzido com uma total falta de transparência (e em secretismo), ele também carece de coerência micro e macroeconómica, técnica e intelectual.
*Economista e Planificador Financeiro junto ao Royal Bank de Canadá